Entre monstros e quimeras: arte, biologia e tecnologia



RENNÓ, Raquel. Entre monstros e quimeras: arte, biologia e tecnologia / Raquel Rennó, Pau Alsina Gonzalez. – Juiz de Fora: Ed. UFJF, 2015.

1.  Sobre a natureza e a vida como poderia ser
Hoje, através da desapropriação da função pragmática das ciências da vida e sua recontextualização na forma estética, caminhamos nas fronteiras entre natureza e arte. A história dos transgênicos remete à 1987 em plantas e em 1996 industrialmente na agricultura. Em menos de 15 anos 82% do mercado mundial de sementes estaria controlado por empresas privadas.
Existem outros tipos, sejam alicamentos e as plantas bioindustriais e micróbios geneticamente modificados que servem para descontaminar ambientes degradados.
As visões dualistas entre homem e natureza podem gerar tanto a “tecnofilia” – hegemônica e utilizada para justificar um discurso otimista que favorece o mercado. E a “tecnofobia”, medo mitológico das forças destrutivas das criações humanas e punições e que acusa às tecnologias pelo aumento do fosso entre ricos e pobres, entre países centrais e periféricos. Mas são dois lados de uma mesma visão hierárquica.
Foi exatamente a capacidade de criar e produzir artefatos vivos que colocou a ciência em seu lugar hegemônico atual, como prática e discurso. O corpo como artefato adquire estatuto natural. Aí o papel da arte como espaço de contraste com o ambiente científico (o laboratório, o discurso das ciências) adquire relevância.
A conexão entre corpo, mente e simulação gera a “inveja do ciborgue”, o desejo de transcender a condição humana, superando o físico e o biológico em uma “alucinação consensual” simbólica e metafórica do ciberespaço.
Pigmalião e Galatea – escultor e obra que ganha vida.
Golem – a criatividade do homem, direito horizontal e a antítese vertical, o Absoluto. Aproximando-se a deus, a pessoa pode ter algum poder, como a criação da vida.
Relação dual entre criador e criatura, entre obediência às regras de deus e o caminho livremente escolhido pelo homem.

2.  Arqueologia da biologia e a biotecnologia
Antes do aparecimento do termo biologia havia história natural, a filosofia natural e a teologia natural. Com o avanço da ciência dos seres vivos e sua partição em diferentes disciplinas, constata-se que a ciência moderna foi engendrada pela forte ambição de conquistar a natureza e subordiná-las às necessidades humanas. As visões do controle, administração, flexibilidade e obediência tendo por finalidade a eficiência.
Desenvolvida linearmente desde a domesticação de animais como antílopes e ovelhas em 1800 a.C., a teoria da origem das espécies de Darwin em 1859, as leis da genética de Gregor Mendel em 1865, o desenho da estrutura do DNA em 1954, até o onco-rato em 1988, ou o lançamento do Projeto Genoma em 1990 para finalmente chegar à clonagem da ovelha Dolly em 1997.
Falar sobre a vida é falar sobre distintas narrativas através das quais se foi definindo a vida. Três momentos pragmáticos para a história da vida como descrita pelos cientistas: a história natural do século XVIII na qual a vida está ausente; o período do evolucionismo, que historiciza a vida; a engenharia genética do final do século XX, que promove uma descontextualização da vida.
No século XVIII havia uma história natural que era somente a denominação do visível, fixando uma natureza que não se deixa controlar em herbários, jardins botânicos, classificações e taxonomias. A vida pensada numa estrutura temporal abstrata e a-histórica, uma vida sem contexto que não pode ser pensada no fazer e desfazer do processo da própria vida. Negando o dinamismo do ser vivo, ao invés disso, a vida como ser inerte. Até que virá a mudança quando da constatação da impossibilidade de classificação do ser vivo em si, em que a vida aparecerá como aquele resíduo que escapa ao esquema da taxionomia que pretende abarcar tudo. A biologia se transforma enquanto pensamento de uma vida que se deve historicizar. Iniciando uma história que possibilita uma constante indagação quanto ao futuro e sua evolução. O evolucionismo prioriza a transformação inscrita ainda sobre a conservação de uma essência imóvel nela mesma. O progresso age como uma roupagem discursiva do evolucionismo. O conceito de adaptação, mediante o qual se descreve o modo com que o organismo e o ecossistema estão relacionados. Darwin introduziu uma ruptura fundamental ao separar o interno do externo, os organismos dos ambientes em que estes habitam. Entre o Jardim Botânico e o banco de dados há um paralelo por serem ambos caracterizados pelo fato de não levarem em conta nem o contexto nem a dimensão temporal dos seres vivos. Na terceira etapa a biologização se torna genetização e o gene se torna o fundamento e princípio orientador da vida. Ordem, classificação, exterioridade e origem permanecem nessa “nova” narrativa da vida. Redução da vida à sua mínima expressão, baseada na informação genética. O todo, a vida se reduz à parte, ao gene, que age como motor do processo da vida e o DNA se converterá no próprio livro da vida, como materialização do Santo Graal. Um discurso que prioriza dados frente ao contexto e ao processo de conformação do que é apresentado como dado. A redução da vida à informação manipulável. Manipulação, processamento e modificação. DNA recombinante, em que é possível isolar os fragmentos do DNA, alterando livremente sua composição interna para introduzir nova informação genética desenhada. A vida como é entendida neste discurso é reduzida a uma sequência lógica disponível em uma rede de bancos de dados, ciência da vida e ciência da informação. Uma cartografia inédita da vida que conecta espaços e tempos distintos.

3.  Práticas artísticas, biologia e tecnologia
a.  Notas sobre o contexto histórico das relações entre arte e ciência
A pré-história da ciência é a mesma que a da arte. As elaborações artísticas e científicas tinham um objeto comum, na base de tudo estavam as diferentes tentativas de resolver as questões da vida. A necessidade não é mãe da invenção – apenas do aperfeiçoamento. A inovação requer uma curiosidade motivada esteticamente. Da Vinci compreendia a pintura como parte crítica de um processo científico, no qual a observação cuidadosa aproximaria a pessoa dos fenômenos e possibilitaria o desenvolvimento de teorias. Entre os alquimistas a esperança era encontrar a fórmula que albergava grandes poderes curativos. Newton não era o pioneiro da idade da razão, mas sim o último dos magos. Além de Newton, Boyle, Pascal, Boerhaave, entre outros “cientistas modernos” tinham a alquimia em uma agenda secreta. Há uma dificuldade em comprovar as várias “razões científicas” que conviviam nesta época, de modo a garantir a linearidade e univocidade no discurso da história das revoluções científicas. A crítica das ideias alquímicas que passa por uma crítica ao universalismo, contém em si o ideal de conhecimento único. Essa tendência universalista ainda está presente nos discursos midiáticos sobre a ciência. A maioria dos cientistas sabe que genes sozinhos não controlam a vida, em grande parte é graças à imprensa que o DNA se fez presente em nossa cultura. Na biologia tradicional problemas genéticos nos tornam vítimas da herança, mas algumas linhas incorporam a ação da mente à compreensão da vida. Maturana postula que os sistemas vivos são sistemas cognitivos e o processo de vida é um processo de cognição. Assumir a humanização do objeto em algum nível é parte do processo científico e pode, inclusive, ajudar a compreensão do objeto estudado. A subjetividade deve ser considerada como parte do método científico e não somente do artístico.
A invenção do microscópio teve um papel importante na maneira de conceber o mundo. Em 1608 todo o universo paralelo, astros e micróbios, já podiam ser estudados. Em 1665 Robert Hooke se deu conta de que o material era composto de pequenos compartimentos a que chamou células. Em 1839 cientistas alemães conceberam que todo ser vivo se constitui da mesma unidade básica da vida. Em 1860 Rudolf Virchow declarou que todos os organismos vivos se derivam de uma só célula. A teoria celular abriu para o mundo uma concepção de que todas as formas de vida estão estreitamente relacionadas em sua estrutura. Aos olhos dos artistas isso significava que o conceito de metamorfose de Ovídio agora tinha justificativa científica. A transformação se tornou um tema-chave do estilo art nouveau.
Assim como a teoria de Darwin de evolução de formas anteriores por seleção natural também aproximou as formas humanas às dos outros seres vivos. A pesquisa sobre transtornos mentais, sonhos e hipnotismo levou à tomada de consciência – no ocidente – das influências das formas e cores do ambiente no bem estar mental, ao mesmo tempo que se tentou refletir a mente e as emoções humanas em formas e cores. Na virada do XIX para o XX, a psicanálise, teoria da relatividade, Arte Moderna, fotografia, cinema, meios de transporte, medicina são alguns exemplos que levam a comparar o período com o Renascimento. O trabalho estético está atento aos novos elementos e características que emergem, aqui e aí, e que apontam em direção do descobrimento de novas possibilidades. Deste modo a arte não é uma mera atividade, mas se converte em uma espécie de ciência experimental. Grupos de artistas e filósofos interpretavam de formas diferentes os descobrimentos e desenvolvimentos da ciência e da tecnologia na sociedade (vanguardas).
As artes têm um papel fundamental em criticar, propor uma mudança de consciência, ou, pelo menos, expor incongruências, principalmente fazendo um contraponto às ideias que, por estarem mais presentes no senso comum, começam a se tornar verdades absolutas. Analisar a estruturação discursiva dos discursos científicos pode ajudar a superar estas concepções.
b.  Do atelier ao laboratório: a contribuição da arte às ciências
A forma como o homem percebe a natureza é, em si mesma, um fator de mudança do meio ambiente. A tendência do homem em controlar o que conhece provoca uma alteração na natureza – de modo sofisticado, modificando e misturando células e genes. Da qual deriva a descontextualização: ao selecionar da natureza unicamente o que queremos e a forma como queremos, eliminamos as conexões que existem entre as espécies e seu habitat, gerando novas conexões que, por si mesmas, já são objeto de novas pesquisas, que levam, em um movimento circular, a novas classificações.
Operações de remodelação, pelas demandas de mercado. A descontextualização como instrumento discursivo, permite uma abstração tal que as consequências para o meio ambiente são secundadas ou mesmo ignoradas. Esse fator científico-cultural modela o entorno e ignora o conceito de totalidade.  A própria separação entre natureza e cultura é uma abstração que teve consequências concretas no modo como tratamos e alteramos a natureza. Estabelecendo uma hierarquia como consequência direta. Na visão antropocêntrica, tudo o que está fora do ser humano se torna secundário.
Uma intervenção artística no campo da biologia nunca pode ter uma função puramente estética, uma vez que está envolvida e impacta em sistemas cujas consequências, muitas vezes, não se conseguem entender totalmente. A arte nos permite compreender aspectos que não estão imediatamente visíveis. Uma obra de arte deveria nos ensinar sempre o que não havíamos visto no que vemos. A educação profunda consiste em desfazer a educação primitiva, o que de certa forma, equivale a dizer que a educação dos sentidos e da percepção gerada pela arte possibilita uma compreensão mais complexa e profunda das coisas e do mundo. Uma busca (pelo menos em tese) também científica. Guatarri propõe a ecosofia que integra três registros ecológicos: meio ambiente, relações sociais e subjetividade humana. A potencialidade da ecologia em substituir o fiscalismo e antropocentrismo pelo biocentrismo. A base da ciência está nas regras que constituem seus paradigmas, que são gradualmente substituídos por outros. Assim a ciência evolui de forma fragmentária. Rejeitar um paradigma sem simultaneamente substituí-lo por outro é rejeitar a própria ciência. Enquanto o artista deve ter um profundo conhecimento histórico dos movimentos artísticos.
O pensamento sobre números estaria relacionado com sistemas, leis do mundo, tomados de algo limitado, rígido, sedimentado e vinculado com a ideia de morte. Que se aplicam na definição de indivíduos (eu versus outro).
O próprio espaço e tempo se dividem, se medem e, assim, aparentemente, se tornam submissos às leis compreensíveis do homem. A complexidade não reside no estudo das certezas e constâncias, mas nas variedades e na lógica de distinções orgânicas do conhecimento sobre o tempo e espaço. Os processos culturais entendidos desde sua incompletude, sua dinâmica de fluxos contínuos, suas tensões sem resolver, são o que, precisamente, empurra os limites e permite o intercâmbio entre distintos sistemas de conhecimento.
As tecnologias ampliam as capacidades de cognição e percepção do mundo. Para Guattari, a questão da enunciação subjetiva se tornará mais evidente na medida em que se desenvolvem as máquinas produtoras de signos, de imagens, de sintaxe, de inteligência artificial. A para Simondon, a tecnologia é um gesto humano congelado, possuidor de uma história e nunca neutra. Que história e que visão de mundo e de vida nos contam as pesquisas atuais em biotecnologia? Chama-se a atenção para o uso simplesmente responsivo da tecnologia e métodos científicos por parte das artes, pode fazer com que trabalhos artísticos sejam utilizados como meras ferramentas de promoção da própria indústria de biotecnologia.
O prefixo bio em termos como bioterrorismo, biocombustíveis, bioarmamentos, incorpora o conceito de vida a elementos basicamente tecnopolíticos. O confronto da biotecnologia a partir da arte, a discussão sobre o próprio status do conceito de vida, provocando debates e controvérsias, sugerindo e gerando ideias sobre o que são, o que poderiam ser (ou o que talvez não devessem ser) os seres vivos.
Zoossemiótica – uma teoria que se encontra entre a semiótica e a etologia. O comportamento dos animais constitui uma atividade informativa, o que permitiu contribuições tanto para as ciências humanas, quanto para as biológicas e de computação. Louis Bec criou formas alternativas de vida em um projeto de animais artificiais chamados sulfanogrados, contribuindo para as teorias atuais do início da vida no planeta, uma proposta artística que abriu caminhos para as hipóteses científicas. Em I like America and America likes me, Joseph Beuys convive com um coiote, como um modo de pensar as relações comunicativas de forma ampla, que envolvem linguagem e paralinguagem. O equívoco de pensar que a linguagem humana é algo único impede que se compreendam novas formas de comunicação, bastante mais elaboradas do que pensamos e que convivem ao nosso redor. O conceito de Umwelt determina que a percepção está relacionada com a compreensão de uma estrutura, cada espécie compreende o mundo a partir do que pode perceber dele. O que pode permitir uma expansão da própria visão da arte, tradicionalmente antropocêntrica. Podendo sair das dicotomias excludentes entre “identidade” e “alteridade”, questões que tocam diretamente temas vinculados à biotecnologia e ao medo do bioterrorismo.
Através da arte é possível falar sobre a manipulação midiática como ferramenta política que tenta controlar mediante o medo ao bioterrorismo, os vírus que exterminariam toda a população. Susan Sontag trata da relação entre doenças e as metáforas militares, gerando estratégias agressivas de “defesa”. O imaginário da contaminação e a invasão por parte do “outro”, estranho a nós. De modo que a liberdade individual possa ser trocada por uma (falsa) promessa de tranquilidade. Mas o estrangeiro está em nós mesmos, a instabilidade que ele provoca é inerente a todos.

4.  Do macro ao nano: principais linhas de trabalho em arte, biologia e natureza
a.  Astronomia e exobiologia
Tudo o que não pertence ao nosso planeta, imagens espaciais, servindo como inspiração, métodos e sistemas de análise da astronomia, o uso metafórico ou contemplativo, tratando da comunicação entre espécies terrestres e extraterrestres ou mesmo da criação de organismos exobiológicos (relativos à vida fora da terra). A partir da Inteligência Artificial, simular diferentes respostas em organismos artificiais no mundo físico, entender o comportamento de elementos terrestres em um ambiente espacial. Para Sterlac o corpo deve superar sua condição biológica inicial com definitiva e ser compreendido como um organismo em constante transformação.
Associação Internacional dos Artistas Astronômicos – IAAA
Andy Gracie – Drosophila Titanus (2011)
Sterlac – the body is obsolete (2002)

b.  Natureza e paisagem
A pintura paisagística em sua origem, Flandres do século XV, representava uma maneira de ver que se relacionam com o surgimento do capitalismo. “uma paisagem não é tanto uma janela como moldura aberta ao mundo, mas sim algo valioso pendurado na parede onde o visível foi depositado”. Posteriormente o Romantismo e a idealização de mundo com um fundo escapista, Realismo e uma reflexão sobre as circunstâncias da vida, escolas paisagísticas, a viagem de Humbolt pela América, Johann Moritz Rugendas, Ferdinand Bellermann, Albert Berg. Arte e paisagem, arte e natureza, Land Art. Walter Maria, Mario Merz, Jseph Beuys, Robert Smithson preparam terreno para as ecoinstalações do início dos anos 80, de artistas como Britt Smelvaer (Dinamarca), Nils-Udo (Alemanha), Kimio Tsuchiya (Japão), Andy Goldsworthy (Reino Unido), Bob Verschueren (Bélgica), Ilona Lovas (Hungria), Miroslaw Maszlanko e Edward Lazikowiski (Polônia).
Novas paisagens que buscam tornar vivíveis aspectos de nossa existência. Artistas se apropriaram de tecnologias da geologia e geografia, como global positioning system (GPS) e as disciplinas da geomática.
Masaki Fujihata – Fieldwork (2005)
Brett Stalbaum – Gun Geo Marker (2013)
Joan Fontcuberta – Securitas (2001)
Hiroshi Ishii e Tangible Media Group do MIT – Sandscape (2003)
Ken Goldberg, Randall Packer, Grez Kuhn e Wojciech Matusik – Mori (1999)
Calum Stirling – Landsylus Survey #2 (2001-2002)
Heitor Villa-Lobos – Skyline Melody (1939)
Seiko Mikami e Sota Ichikawa – Gravicells – Gravity and Resistance (2004)
Ken Goldberg e Kart Bohringer – Invisible Cantilever (1996)
Vitoria Vesna e James Gimzesky – Nanomandala (2004-2005)
Anna Barros – 200 milhões de anos – Duree (2010)
c.   Natureza e espaço urbano
O espaço urbano concentra os paradoxos do desejo de controle e esperança de recuperação da natureza. A natureza era artificialmente construída na cidade, recortada por janelas e portas. A cidade se transformou num espaço de sobreposição do novo e do antigo, do público e do privado. A incerteza, o estranho se transformam em elementos liberadores e de mudança. O cotidiano do homem possui uma forma e essa forma é sempre ritualizada, pelo menos esteticamente. Nessa ritualização a imagem artística pode apoiar-se, na memória e no consciente, no ritual do cotidiano. Artistas questionam a estruturação autoritária das cidades. Onde a cidade perde seu status de ambiente controlado, onde a multidão cria espaços efêmeros de convivência e onde a natureza volta a interagir com as construções é o espaço preferido dos artistas que trabalham com o urbano. Terrenos baldios, microuniversos, onde é possível perceber a totalidade e a impossibilidade de uma unidade sistêmica. Trazer elementos da natureza para o espaço urbano, recuperar o contato com a natureza e as tradições que estão se perdendo. Ocupação das áreas na cidade pelos jardins e hortas é oficialmente ilegal, trata-se de recuperação do espaço público combinada com uma crítica à extrema privatização dos espaços urbanos. A ideia do artista como agente ativo na natureza, propondo alternativas concretas. Questionando uma oposição comum entre fascinação por computadores e uma visão ecológica. Uma nova paisagem povoada por essas criaturas artificiais.
Gilberto Esparza – Plantas Nómadas (2008-2013)
Arcangel Constantini – Nanodrizas (2009)
Francesco Mariotti – The Fireflies Factory (2010)
Christina Stadlbauer – Melliferopolis
Free Soil – F.R.U.I.T. (2005)
Ieva Auzina, Esther Polak e RIXC – MILK (2004)
Erich Berger e Martin Howse – Curie’s children (glow boys, radon daughters) (2014)
Critical Art Ensemble – O Culto da Nova Eva (1999) / projeto BioCom (1997) / Flesh Frontiers (1997)
Metarreciclagem – http://www.metarreciclagem.org/
The Preemptive Media Group – Air (2006)
Ricardo Dominguez – Transborder Inmigrant Tool (2008)
Guto Nóbrega – Breathing (20019) / Telebiosfera (iniciado em 2011)
Leslie García – Pulsu(m) Plantae (iniciado em 2012)

d.  Transgênese, clonagem, engenharia de tecidos
O conceito de Vida Artificial começou no final dos anos 80. Com a integração de sistemas tecnológicos e biológicos, as fronteiras entre vivo e não vivo, humano e não humano, vinham se tornando cada vez menos claras. As motivações artísticas que se encontram situadas no contexto da arte genética fundamentalmente superam as fronteiras entre arte e natureza. Que significa alterar os processos naturais de milhões de anos de evolução da vida? Como podemos assimilar e trazer ao nosso mundo um coelho que brilha no escuro? Manipuladores genéticos contam com novos dispositivos, órgãos podem ser produzidos de forma independente de um corpo. O uso artístico da biotecnologia origina um importante debate em torno da tecnoética. Os especialistas se recusam a olhar mais além das preocupações imediatas dos laboratórios de pesquisa. A exclusão do público nestas discussões deixa um vazio que é preenchido pelas preocupações do comércio, que se centra em ganhos em curto prazo. Podemos pensar em interfaces “úmidas”, os wetwares, que incorporam elementos biológicos que superam as limitações dos tradicionais hardwares. Os artistas que trabalham com genética consideram o código genético de modo similar ao código digital; a manipulação da vida é a manipulação do código. As manipulações dos tecidos propõem as mais integrantes questões epistemológicas, já que não há um discurso existente que tenha que ver com as crescentes partes semivivas de um organismo independente, e complicam as noções do que entendemos por vida, o eu e a identidade. Re-situar os processos e espaços da arte como práticas de pesquisa propõe uma relação com a arte que não privilegia a percepção visual ou julgamento estético, mas enfatiza a participação e transformação intelectual e discursiva dos participantes. O sujeito pós-humano é um amálgama, uma coleção de componentes heterogêneos, uma entidade material-informacional cujas fronteiras passam por contínua construção e reconstrução.
Eduardo Kac – Alba / Genesis (1999)
Tissue Culture and Art Project
Oron Catts
Ionat Zurr
Symbiotica – Semi-living Sculptures (2002) / Living and Semi-living systems as food (2002)
Zach Blas – Facial Weaponization Suite: Militancy, Vulnerability, Obfuscation, tableau vivant (2013)
Pinar Yoldas – Speculative Biologies Species of Excess (2012) / p-plastoceptor (2014)
Micha Cárdenas

5.  Sobre pragas, monstros e quimeras tecnológicas
Essa visão ecológica “profunda”, como menciona Capra, deixa de ser antropocêntrica e percebe o meio ambiente como uma rede onde o homem é simplesmente um elemento a mais. É reinterpretada em projetos artísticos que relacionam educação e ativismo ecológico, o uso de energia sustentável, comércio local de alimentos, uma “relação respeitosa com a natureza”. Enquanto indústrias biotecnológicas avançam com campanhas de que o mercado livre associado à biotecnologias trabalha unicamente para o interesse público. Mas cuja fórmula é “descubra um gene, faça uma pílula e venda”. O problema não é só de fundo econômico, mas também epistemológico e ontológico. Distinguir quando o ativismo político associado às biotecnologias se converte em conservadorismo moral. A tecnociência não é um mero conhecimento neutro sobre a realidade, mas um mecanismo de produção da realidade social e natural. A produção de uma nova natureza. A biologia é um olhar e um discurso sobre a vida, não o mundo vivo em si, e, portanto, os organismos emergem também de um processo discursivo. A natureza não é um lugar físico a que se possa ir, nem um tesouro que se possa fechar ou armazenar, nem uma essência que salvar ou violar. A natureza não está oculta e, por tanto, não precisa ser descoberta. A natureza não é um texto que se possa ler em códigos matemáticos ou biomédicos. Não é o outro que brinda a origem, provisão e serviços. Nem a mãe enfermeira nem escrava, a natureza não é matriz, nem um recurso, nem uma ferramenta para a produção do homem.
Pragas, epidemias, montros e quimeras têm representado historicamente o reverso da norma, aquele “outro” que deve ser eliminado da Terra e ser enterrado no inferno do impossível. No entanto, hoje, no território de uma vida crescentemente biotecnologizada, convivem conosco de forma natural, produzindo uma nova natureza que não se exime de uma biopolítica específica que regula e normativiza a vida, ainda que sempre escape pelos entremeios do futuro, do acaso e da mais absoluta incerteza. Porque, assim como Deleuze, sempre podemos dizer que “quando o poder toma a vida como objeto ou objetivo, a resistência ao poder já invoca a vida e se volta contra o poder. A vida se torna resistência ao poder, quando o poder tem como objeto a vida”.

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